Resenhas | O Cortiço - Aluisio Azevedo

24 julho 2014

1. Sinopse

A obra busca recriar a realidade dos agrupamentos humanos sujeitos à influência da raça, do meio e do momento histórico. O predomínio dos instintos no comportamento do indivíduo, a força da sensualidade da mulher mestiça, o meio como fator determinante do comportamento são algumas das teses naturalistas defendidas pelo autor ao lado de denúncias sociais. O protagonista do romance é o próprio cortiço, onde se acotovelam lavadeiras, trabalhadores de pedreira, malandros e viúvas pobres.

2. Estilo

Naturalista, o autor usa da figura de linguagem denominada zoomorfismo atribuindo a pessoas e coisas adjetivos e ações de animais e plantas, como nos exemplos:
a.) Um dia, porém, o seu homem, depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma besta.
b.) E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.
c.) (…) e ouvia, a contragosto, o grosseiro rumor que vinha da estalagem numa exalação forte de animais cansados. Não podia chegar à janela sem receber no rosto aquele bafo, quente e sensual, que o embebedava com o seu fartum de bestas no coito.
d.) Havia ainda, sob as telhas do negociante, um outro hóspede além do Henrique, o velho Botelho. Este, porém, na qualidade de parasita.

No Brasil o Período do Naturalismo, escola literária, aconteceu ao mesmo tempo em que o Realismo era vigente.
3. Personagens
No Cortiço moram os mais variados tipos de pessoas com diferentes raças e nacionalidades (Portugueses e Brasileiros), malandros, lavadeiras, assassinos, benzedeiras, etc. Dentre os personagens, encontramos:
  • João Romão: português ambicioso, torna-se dono da venda, do cortiço e da pedreira. Explora a amante Bertoleza, mas acaba se casando com Zulmira por motivos financeiros. 
  • Bertoleza: escrava que se pensa alforriada, trabalha para João Romão e é sua amante.  
  • Miranda: português, morador do sobrado ao lado do cortiço. É casado com Estela, mas tem um casamento infeliz, mantido apenas por razões financeiras. 
  • Estela: esposa de Miranda, é infiel ao marido.  
  • Zulmira: filha de Estela e de Miranda, casa-se com João Romão, que busca ascensão social através do casamento. 
  • Jerônimo: a princípio ele é um homem íntegro, que trabalha como administrador da pedreira de João Romão e é saudoso por Portugal. Porém ao conhecer Rita Baiana começa a sua degeneração, acaba  abandonando seu trabalho, mulher e filha.
  • Rita Baiana: mulata sedutora e dançarina provocante é amiga de todos no cortiço. Tinha um caso com Firmo (capoeira enciumado), depois se atraindo por Jerônimo, que por sua vez mata firmo e se une a Rita.
  • Piedade: esposa dedicada de Jerônimo, acaba se entregando a bebida depois que o marido a abandona para ficar com Rita Baiana. 
  • Firmo: amante de Rita Baiana, é assassinado por Jerônimo. 
  • Pombinha: moça franzina que era a esperança de ascensão entre os moradores, mas que termina entregue à prostituição por influência de Leónie, com quem tem relações homossexuais e abandona o casamento.
4. Resumo

O romance segue claramente duas linhas mestras em seu enredo, cada uma delas girando em torno de um imigrante português. De um lado temos João Romão, o dono do cortiço, do outro Jerônimo, trabalhador braçal que se emprega como gerente da pedreira que pertence ao primeiro. 
João Romão enriquece às custas de sua obsessão pelo trabalho de comerciante, mas também por intermédio de meios ilícitos, como os roubos que pratica em sua venda e a exploração da amante Bertoleza, a quem engana com uma falsa carta de alforria. Ele se torna proprietário de um conjunto de cômodos de aluguel e da pedreira que ficava ao fundo do terreno. Aumenta sua renda e passa a se dedicar a negócios mais vultosos, como aplicações financeiras. Aos poucos, refina-se e deixa para trás a amante. 
O Cortiço de João Romão tem como rival o Cortiço dos “Cabeça de Gato”, essa rivalidade se finda após um incêndio em vários barracos do João Romão, o qual reconstrói as casinhas. É nesta época que ele pretende se casar com Zulmira e conta com a ajuda do agregado do Miranda, o Velho Botelho. Mas o primeiro empecilho era Bertoleza, e portanto decide denunciá-la aos antigos donos, no dia em que a polícia vem buscá-la, Bertoleza percebe o que lhe vai suceder e se mata com uma Facada na Barriga, com a mesma faca que estava a limpar os peixes.

Miranda, comerciante de tecidos e também português, muda-se para o sobrado que fica ao lado do cortiço. No início disputa espaço com o vizinho, mas, aos poucos, os dois percebem interesses comuns. Miranda tem acesso à alta sociedade, posição que começa a ser almejada por João Romão, este, por sua vez, tem fortuna, cobiçada pelo comerciante de tecidos que vive às custas do dinheiro da esposa. Logo, uma aliança se estabelece entre eles. Para consolidá-la, planeja-se o casamento entre João Romão e a filha de Miranda, Zulmira.

Jerônimo assume a condição de gerente da pedreira de João Romão e passa a viver no cortiço com a esposa Piedade. Sua honestidade, força e nobreza de caráter logo chamam a atenção de todos. No entanto, seduzido pela envolvente Rita Baiana, assassina o namorado desta, Firmo. Jerônimo abandona a esposa e vai viver com Rita. Entra então em um acelerado processo de decadência física e moral, assim como sua esposa, que termina alcoólatra. 

A decadência atinge também outros moradores do cortiço. É o caso de Pombinha, moça culta que aguardava a primeira menstruação para se casar. Seduzida pela prostituta Léonie, abandona o marido e vai viver com a amante, prostituindo-se também.

5. Contexto

Sobre o autor
Aluísio Azevedo foi o melhor representante da tendência naturalista do Realismo brasileiro. Em seu esforço de conhecimento da realidade, explicitava a vida humana mesmo em seus aspectos mais sórdidos: a baixeza, a exploração, a desonestidade e o crime.

Importância do livro
Na literatura brasileira, O Cortiço é o romance mais exemplar da estética realista-naturalista. Nele, pode-se perceber com clareza a visão que os naturalistas tinham das reações sociais no desejo de enriquecimento que toma João Romão, e ainda a imagem que os naturalistas faziam das relações pessoais no envolvimento amoroso entre Jerônimo e Rita Baiana.

Período histórico
O romance foi escrito em um período de profundas transformações na paisagem urbana do Rio de Janeiro, captadas ali com o registro cru do naturalismo, que rejeitava qualquer forma de idealização do real.

6. Análise

O romance de Aluísio Azevedo segue de perto as determinações do chamado “romance experimental”, conceito elaborado pelo escritor francês Émile Zola. Segundo o conceito, a realidade é observada de uma perspectiva científica que se distancia da idealização romântica e mostra um retrato fiel da sociedade, mesmo de seus aspectos mais sórdidos – postura artística denominada então de “belo horrível”. A busca pelo registro fidedigno orienta o narrador no sentido da reprodução da linguagem das personagens com toda a riqueza da oralidade e das gírias do tempo. Nota-se ainda um aspecto fundamental da narrativa realista-naturalista: o interesse pela miséria, pela pobreza. Além de traços presentes na tendência naturalista do realismo, como a sexualização do enredo e a animalização das personagens. 
Pode-se dizer que O Cortiço segue o figurino naturalista em duas linhas de exposição de comportamento humano. A trajetória de João Romão apresenta a visão naturalista das relações sociais, enquanto a de Jerônimo indica a perspectiva adotada pela escola no que diz respeito às relações pessoais. Nos dois casos, evidenciam-se patologias que definem os desvios morais das personagens.  

A ambição de João Romão não é condenada, afinal, ele apenas se aproveita das oportunidades oferecidas pela sociedade capitalista então nascente. Ocorre que, nele, a vontade de prosperar transforma-se em doença, em “febre de possuir”. Sua falta de escrúpulos é tamanha, que passa a explorar a companheira Bertoleza até o ponto da saturação, quando a troca por uma companhia que promete frutos mais lucrativos. 

No retrato das relações sociais, o sobrado cumpre um papel fundamental, principalmente no contraste com o cortiço: este reúne os tipos miseráveis, enquanto aquele representa a riqueza das elites. Ficam assim representadas as diferenças sociais. Mas é bom observar que tanto em um ambiente quanto no outro o padrão moral é o mesmo, caracterizado pela baixeza e pelo domínio dos instintos. 

Jerônimo sintetiza a visão naturalista do envolvimento amoroso. Na verdade, não se trata de amor, já que os naturalistas não consideravam esse sentimento, tomando-o apenas como uma máscara para a verdadeira motivação da aproximação entre casais, o instinto natural de preservação da espécie. Assim, o que une Jerônimo a Rita Baiana é o desejo sexual: o português se rende aos encantos da mulata brasileira, circunstância que mostra a sedução que a terra exótica exerce sobre o colonizador espantado. 

A queda moral de Jerônimo também possui explicação ligada ao ambiente: o sol dos trópicos abate a vontade de trabalhar e o homem se entrega aos prazeres. Sua pureza original é superada por seus instintos, e ele se torna preguiçoso e dado à luxúria. O fato de a mesma decadência atingir Piedade e Pombinha confirma a tese de que a tendência à frouxidão de costumes se dá em função do ambiente.

Em geral a Tese desse Romance Naturalista é que o Meio, o Período e a Hereditariedade influenciam no indivíduo degradando-o e levando ao destino a que é determinado (isto é o determinismo), mostra a sociedade doente do Rio de Janeiro na época do Segundo Reinado, as relações sociais e as suas degradações.

Características Relevantes do Livro
O Naturalismo na Literatura:

1. Cientificismo: análise do homem e a sociedade. Além de Descrições minuciosas.
  • Trata-se de um Romance Social, pois todas as existências se entrelaçam e repercutem nas outras, sendo o Cortiço o gerador de tudo (a personagem mais convincente segundo Alfredo Bosi);
  • Situação da Mulher – as mulheres são reduzidas a três condições: Objeto (como Bertoleza e Piedade) pois são usadas pelo homem; Objeto e Sujeito (Rita Baiana) com certa independência; e Sujeito (Leonie e Pombinha) são independentes do homem e se prostituem (embora desprezem a situação e ações dos homens).
2. Vontade de reformar a sociedade, denunciando seus problemas.
  • Crítica ao Capitalismo Selvagem (o tema é a Ambição e a Exploração do homem pelo próprio homem) – pode ser visualizada na figura ambiciosa do Dono do Cortiço, que se abdica de tudo em nome de ajuntar dinheiro, do qual não desfruta;
3. O Homem na visão Animalizada: não há o psicológico (tão característico do Realismo) e sim os Instintos, o Macho e a Fêmea.
  • Zoomorfismo (redução das criaturas ao nível animal, isto revela as teorias de Biologia do século XIX (Darwinismo e Lamarquismo) e o Determinismo (meio, raça e momento);
  • Na obra as personagem representam Tipos Humanos, por exemplo Albino (homem franzino, afeminado, que trabalhava com as lavadeiras), Botelho (velho, sem dinheiro que vivia como agregado no sobrado do Miranda, sabia se fazer necessário).
4. Temática: miséria, adultério, crimes, problemas sociais, sexuais e etc. Os temas são tratados como Patologias (doenças).
  • A Força dos Instintos – no romance a forma mais degradante deles é o Sexo (destruição e desrespeito ao matrimônio, traições, prostituição, lesbianismo, etc). Veja no trecho a seguir a descrição de Rita Baiana e sua força sobre Jerônimo:
“Naquela Mulata estava  o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel era a castanha do caju, que abre feridas com seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viçosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhado-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias.
0 Comentários | BLOGGER
Comentários | FACEBOOK

0 comentários:

Postar um comentário

 
© BOROGODÓ LITERÁRIO - janeiro/2016. Todos os direitos reservados.
Criado por: Maidy Lacerda
Tecnologia do Blogger.
imagem-logo